quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Mundo

Além de perturbadora e cruel, a imagem da fome é uma estúpida realidade - principalmente em sete países, onde vivem 65% dos famintos: Índia, China, República Democrática do Congo, Bangladesh, Indonésia, Paquistão e Etiópia. Uma tragédia que já ameaça 1, 02 bilhão de pessoas em todo o planeta e ganha contornos ainda mais nefastos quando a ajuda alimentar atinge seu mais baixo nível em 20 anos. O alerta foi dado ontem pela norte-americana Josette Sheeran, diretora executiva do Programa Mundial de Alimentação da Organização das Nações Unidas (PMA). Somente este ano, 87 milhões de homens, mulheres e crianças passaram a viver a fome - ainda segundo o PMA, nunca houve tanta gente no mundo nessa condição. No estudo Fome em 2009 - Uma receita para o desastre, a entidade revela que enfrenta uma grave redução orçamentária e possui apenas 30% do dinheiro necessário para alimentar 108 milhões de pessoas. Apesar de o PMA contar com US$ 6,7 bilhões para 2009, seriam necessários mais US$ 3 bilhões para cobrir o vácuo no orçamento.

População do Quênia chega a se alimentar de insetos e carne de animais mortos Foto: Stephen Morrison/EFE
Apenas alguns quilômetros separam Musimwa Namashombwa de uma realidade que muitas vezes trai a dignidade humana. Morador de Bukavu, cidade de 241 mil habitantes no leste da República Democrática do Congo (ex-Zaire), esse geólogo de 34 anos contou à reportagem que a fome impõe escolhas radicais em seu país, principalmente na região oeste. "Em algumas famílias, se o pai e dois filhos comem hoje, amanhã ficam sem se alimentar para dar lugar à mulher e às outras crianças. Não existe comida para todos", disse, por meio de um software de videoconferência. "As organizações não governamentais pouco podem fazer por estarem sobrecarregadas e pelo fato de a situação ser imprevisível", acrescentou, referindo-se ao fato de os conflitos étnicos e as guerras civis produzirem refugiados e, por consequencia, a fome.

Mais a leste, às margens do Oceano Índico, cerca de 10% da população do Quênia (3,8 milhões de pessoas) precisa com urgência de assistência alimentar. "O país enfrenta uma desastrosa combinação de seca e contínua alta nos preços", afirma o relatório do PMA. "Para driblar a fome, muitos comem raízes, pequenos insetos e, às vezes, a carne de animais encontrados mortos", contou à reportagem o queniano Hasanain Sunderji, de 47 anos, dono de uma loja de bombas elétricas e peças para motores de veículos. "Muitos comem inclusive a carne de cães, vendida em açougues", acrescentou. De acordo com ele, nas regiões de Ukambani (nordeste) e Samburu (norte), não chove há quase três anos. "Há casos em que nossas crianças morrem sem comida", lamentou.

Em entrevista coletiva em Londres, a diretora do PMA fez um apelo dramático para que o mundo não se esqueça de quem mais necessita e dos que foram atingidos duramente pela crise econômica. Segundo Josette, Quênia, Guatemala e Bangladesh representam os maiores desafios para o organismo. O relatório explica que o PMA terá de racionar os alimentos já em outubro, diante do reduzido estoque. Na Guatemala, onde o governo declarou "estado de calamidade nacional" e adesnutrição afeta quase metade das crianças, a ONU vê ameaçada a distribuição de suplementos alimentares para 100 mil menores e 50 gestantes e lactantes. Em Bangladesh, 1,3 milhão de mulheres e crianças desnutridas podem ficar sem comida nos próximos meses. "Em muitos países em desenvolvimento, os pobres não podem se dar ao luxo de comprar comida. Ao mesmo tempo, os infortúnios econômicos significam que muitos países ricos têm cortado o financiamento à assistência alimentar. É uma receita para o desastre", conclui o estudo do PMA.




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