sexta-feira, 4 de maio de 2012

Considerações poéticas sobre a seca


O vaqueiro chorou vendo a ossada 
do cavalo que a seca assassinou

Sete meses, meu bem, ele passou fora
Viajando para as terras do Sudeste
Foi fugindo dessa seca, dessa peste
Que lhe esmaga, lhe aniquila e lhe devora.
Decidido, no entanto, veio embora
Pra o sertão que o seu peito sempre amou
Pois paixões, sua alma aqui deixou
E chegando aqui, logo na entrada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do cavalo que a seca assassinou.

Relembrou com saudade os velhos dias
Sobre o amigo perseguindo um boi bem brabo
Derrubando-o, na faixa, pelo rabo
Recebendo aplausos em honrarias.
Esqueceu-se, porém, das alegrias
Vendo ali, sobre o solo, o que sobrou
Do amigo fiel que tanto amou
Num soluço da alma alquebrada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do cavalo que a seca assassinou.

Nem os carinhos de sua linda donzela
Lhe remiu da tristeza ali presente
Nem o céu que escureceu bem de repente
Atenuam a dor que lhe martela.
Sem fugir da cena que lhe flagela
O vaqueiro bem triste aboiou
Quando a brisa, do poente, forte soprou
E lhe trouxe a chuva tão esperada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do cavalo que a seca assassinou.

Nem a água caindo lá de cima
Com as lágrimas molhando o seu rosto
Lhe tirou de tão grande desgosto
De perder aquele por quem lastima
No aboio, solitário, uma última rima
Enquanto um raio, caindo, lhe iluminou
Com sua voz, o trovão se misturou
Dando mais tristeza à cena enlutada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do cavalo que a seca assassinou.

Foi saindo devagar daquele canto
Perdido nos devaneios da lembrança
Consigo, mesmo assim, leva esperança
Que Deus dê consolo ao seu pranto.
A tristeza lhe cobria, era seu manto
E na donzela amada ele se apoiou
Dando um adeus inibido ao que restou
Suspirando de saudade na última olhada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do cavalo que a seca assassinou.

Sua dor se tornou a mais plangente
Quando em casa abraçou sua viola
Feito pássaro preso na gaiola
Assobiando muito baixo e bem dolente.
Sua rima se tornou sua confidente
E em versos sua mágoa assim gravou
Enfatizando o que pôde e relembrou
Consternado e cantando numa toada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do Cavalo que a seca assassinou.



 

Nenhum comentário:

Postar um comentário